Década de Ação pela Segurança no Trânsito – Entre avanços e retrocessos, os números de mortes nas vias brasileiras avisam que é hora de colocar o pé no freio – mas não só isso.
O período compreendido entre 2011 e 2020 foi estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como a Década de Ação para Segurança Viária. Os países signatários da resolução, entre eles o Brasil, se comprometeram a desenvolver ações a fim de reduzir em 50% o número de mortes no trânsito. A lentidão e o conflito no processamento de dados, e o escasso investimento em uma educação para o trânsito indicam que o Brasil não baterá a meta.
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Panorama global
Hoje, a União Europeia tem algumas das estradas mais seguras do mundo, ainda assim, segundo os últimos dados, de 2018, somando os números dos 28 Estados-membros*, cerca de 25 mil pessoas perderam a vida em acidentes de trânsito naquele ano – uma diminuição de 21% em relação a 2010.
Nos Estados Unidos, de acordo com a National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA), em 2018, as mortes decorrentes de acidentes atribuídos ao consumo de álcool caíram cerca de 4% – a menor porcentagem desde 1982.
Da Nova Zelândia, vem o exemplo das campanhas de impacto criadas pelo Departamento de Transportes, que garantem baixos números de mortes – 352 em 2019, segundo o Ministério dos Transportes.
No Japão, em 2019, as mortes por acidentes de trânsito caíram para 3.215, um número recorde e uma queda de 317 em relação a 2018, segundo a Agência Nacional de Polícia. Leis firmes sobre o uso de capacete e cinto de segurança, investimento em infraestrutura e educação continuada fizeram a diferença.
As ações brasileiras são efetivas?
De modo geral, nos últimos anos, iniciativas públicas e privadas vêm somando esforços em busca da redução do número de acidentes no trânsito brasileiro.
O endurecimento da Lei Seca; a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança; a adoção da cadeirinha para crianças; o Rota 2030; e a decisão judicial que determinou o uso dos radares móveis em rodovias federais, no final de 2019, são alguns exemplos notáveis.
Aplicativos, como o Zurich Driver, que avalia parâmetros como condução distraída e velocidade, e campanhas como o Maio Amarelo (leia mais na página 34) demonstram o empenho dos brasileiros em defesa de uma direção segura.
No Brasil, uma pessoa morre a cada 15 minutos em um acidente de trânsito, o que resultou em aproximadamente 35 mil mortes, em 2017, uma queda de 18% em relação a 2010, quando morreram por volta de 42 mil pessoas, de acordo com os últimos dados do Ministério da Saúde.
Em 2018, os acidentes de trânsito causaram cerca de 183 mil internações as quais custaram R$ 265 milhões ao Sistema Único de Saúde (SUS), visto que dados preliminares estimam em 32 mil o número de mortes naquele ano.
Assim, o Brasil garantiu o quinto lugar – no início da década a posição era a de número quatro – entre os países com mais mortes em decorrência de acidentes de trânsito, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em um ranking com 178 países.
Os dados oficiais mais atualizados são de 2017, o que demonstra que no Brasil “nós medimos muito mal”, como afirma Celso Mariano, engenheiro especialista em trânsito.
Para ele, a maneira como os dados são coletados e processados é um problema, uma vez que as informações que acompanham as vítimas de acidentes são recebidas pelos hospitais em formulários distintos.
Dentro de uma mesma cidade podem ocorrer diferenças entre os dados coletados pelo Corpo de Bombeiros, pela Polícia Militar ou pelos órgãos municipais.
“Por isso é difícil sabermos o tamanho e a qualificação da violência no trânsito no Brasil, porque não temos um padrão”, explica Mariano, que destaca a metodologia do Projeto Vida no Trânsito (PVT), como um esforço importante para melhorar o processamento dos dados de acidentes.
O PVT, coordenado pelo Ministério da Saúde, em parceria com a Organização Pan Americana da Saúde (Opas), é voltado para a vigilância e prevenção de lesões e mortes no trânsito, em resposta aos desafios da ONU para a Década de Ação para Segurança Viária.
Uma das ações do projeto é melhorar a coleta e o processamento de dados, permitindo uma análise rigorosa da origem de informações relevantes sobre os acidentes. Em 2010, foi implementado em cinco capitais – Curitiba (PR), Belo Horizonte (MG), Campo Grande (MS), Teresina (PI) e Palmas (TO).
A partir de 2013, o projeto foi expandido para todas as capitais e cidades com mais de um milhão de habitantes, além dos municípios de São José dos Pinhais e Foz do Iguaçu no Paraná.
Dessa maneira, as cidades que aderiram ao PVT têm mais chances de baterem a meta da redução de 50% do número de mortes no trânsito, contudo, “vamos chegar no final de dezembro e não vai dar para saber se podemos comemorar porque os números ainda estão sendo processados. Projetamos que o Brasil não vai bater a meta”, conclui Mariano.
De acordo com Drº. Dirceu Rodrigues, da Associação Brasileira de Medicina de Trafego (Abramet), as ações realizadas nos últimos anos no Brasil não foram efetivas para conscientizar a população sobre a letalidade do trânsito e das máquinas de alto risco – carros e motos.
“Tivemos um fracasso em relação à década de segurança. Precisamos educar, levando a educação de trânsito para as escolas, mudar a ideia do indivíduo em relação à mobilidade humana”, explica em referência à educação para o trânsito, prevista no Art. 76 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), de 1997, para ser incorporada da pré-escola até o ensino superior.
A contribuição do Instituto PARAR
Com o propósito de elevar o nível da gestão de frotas leves no Brasil, no início da Década de Ação para Segurança Viária, a empresa de telemetria Golsat criou o Instituto PARAR (Pensando Alternativas Responsáveis Administrando Frotas com Resultado).
Desde 2012, por meio de cursos, eventos e produção de conteúdo, o PARAR, maior plataforma de conteúdo e educação para gestão de frotas da América Latina, conscientiza empresas, líderes e condutores – nesse tempo, mais de 15 mil profissionais foram impactados; o Programa para Gestores de Frotas (PGD) treinou e inspirou mais de 2 mil alunos; mais de 500 eventos foram realizados no Brasil; e mais de 400 motoristas foram formados no Programa de Formação de Condutores (PFC).
Trânsito x Coronavírus
Ainda que não relacionados diretamente com a Covid-19, uma pandemia global afeta diferentes segmentos de nossas vidas. Sendo assim, a mobilidade humana também é impactada pelas medidas preventivas de isolamento social ao redor do globo.
No Brasil, de 11 de março a 12 de abril, em relação ao mesmo período do ano passado, a Polícia Rodoviária Federal registrou uma queda de 28% no número de acidentes. O número de feridos caiu 30%, e o de mortes, 7%.
Em abril, o estado de São Paulo registrou o menor número de fatalidades no trânsito desde 2015, ano do início da série história do Sistema de Informações Gerenciais de Acidentes de Trânsito de São Paulo (Infosiga-SP).
Nos quatro primeiros meses de 2020, 1.585 pessoas morreram no trânsito paulista, uma redução de 1,4% na comparação com o mesmo período de 2019 – 1.608 ocorrências.
Todavia, é preciso cautela ao analisar estes dados, pois especialistas indicam que as perdas financeiras causadas por acidentes de trânsito não diminuíram, ou seja, os acidentes que estão acontecendo durante o período de isolamento são graves e não estão poupando os leitos dos hospitais.
A pandemia do novo coronavírus vai afetar também a segurança dos veículos pelos próximos dez anos. De acordo com matéria publicada pela revista Quatro Rodas, o rombo bilionário no caixa dos fabricantes de automóveis vai fazer com que investimentos em novas tecnologias sejam postergados.
O atraso ou o cancelamento de novos modelos cujos investimentos ainda não foram provisionados é um efeito possível, uma vez que o setor prevê a revisão de metas do Rota 2030, programa do Governo Federal que estabelece, entre diferentes objetivos, a obrigatoriedade de novos itens de segurança.
*Em 2018, o Reino Unido ainda era um Estado-membro da União Europeia, totalizando 28 países pertencentes ao grupo naquele momento.
Por: Guilherme Popolin para a PARAR Review.