O desconto de danos e avarias na folha de pagamento costuma impactar a relação entre empresa e colaborador. Afinal, ninguém fica feliz ao saber que receberá descontos no salário ao final do mês.
Porém, na operação de frotas essas situações ainda são recorrentes, principalmente, em razão das características da prestação de serviço e do ambiente em que se desenvolvem as atividades — o trânsito.
Dessa forma, há um enorme potencial de risco, tanto para a segurança das pessoas envolvidas, quanto para os bens patrimoniais da empresa.
Conforme dados divulgados em 2020, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada — IPEA, os acidentes de trânsito no Brasil matam cerca de 45 mil pessoas por ano, deixam outras 300 mil com lesões graves e custam R$ 40 bilhões para a sociedade brasileira.
Entretanto, ainda é comum a existência de dúvidas sobre a possibilidade da empresa efetuar descontos por danos provocados pelo empregado durante o cumprimento de suas funções.
Logo, reunimos as principais informações para que você possa tomar decisões mais certeiras nessas situações.
Continue a leitura e confira:
Como saber se o colaborador agiu com culpa?
Qual o valor máximo que pode ser descontado na folha de pagamento?
Os descontos em folha de pagamento são legais?
Primeiro, de acordo com a Lei da CLT — Consolidação das Leis do Trabalho, quando o dano for causado pelo empregado, o desconto será permitido, desde que haja previsão preestabelecida em contrato.
Entretanto, na falta de previsão, o desconto será legal apenas se houver comprovação da intenção do empregado.
Logo, os descontos em pagamento são legais, porém existem alguns requisitos que devem ser observados para que não sejam considerados ilegais.
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Por outro lado, quando falamos sobre a intenção do colaborador, há a necessidade de comprovar essa hipótese e essa é a dificuldade. Lembrando, que quem realiza a alegação de dano intencional, precisa comprovar essa afirmação.
Quando o prejuízo ocorre sem intenção do funcionário também é possível proceder o desconto. Porém, é absolutamente necessário que essa possibilidade tenha sido ajustada em contrato.
É o que a Lei 229 de 28.2.1967 diz quando determina que “o desconto será lícito, desde que esta possibilidade tenha sido acordada”. Logo, deve existir um contrato assinado no qual esteja prevista tal eventualidade.
Portanto, resumindo: se o empregado causou o dano intencionalmente, o desconto poderá ser realizado independentemente de outras formalidades.
Porém, se ele não teve a “intenção” de causar o dano, para ser considerado legal, a empresa, além de ter que provar essa culpa, terá que possuir um contrato assinado onde haja previsão da possibilidade do desconto em folha de pagamento.
Como saber se o colaborador agiu com culpa?
A “culpa” refere-se aos casos em que o colaborador, embora não queira causar dano, seja por imprudência, imperícia ou negligência e acaba permitindo lesão aos bens da empresa.
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Imperícia e imprudência são atos, ou seja, o colaborador comete uma ação imprudente infringindo alguma lei ou norma que deveria observar.
Então, no caso da imperícia, o colaborador comete um ato que não condiz com os cuidados necessários para realizar a sua função. Já a negligência é uma omissão.
Assim, o empregado deveria ter tomado uma medida de cuidado, mas por negligência deixou de executá-la e, em razão disso, ocorreu o acidente.
Dessa forma, para confirmar ou não a culpa do empregado, será sempre necessária uma análise cuidadosa de cada caso.
Por exemplo: digamos que o motorista está dirigindo na estrada e uma pedrinha se desprende do veículo à frente e causa um dano no para-brisas.
Podemos afirmar que o empregado tem culpa dessa situação? Se sim, trata-se de um caso de negligência, imprudência ou imperícia?
Nesse cenário, seria muito complexo tentar provar a culpa.
Em uma eventual ação trabalhista, com grande margem de certeza, a empresa seria obrigada a devolver os valores descontados, pois esse tipo de dano faz parte do risco inerente à atividade econômica do empregador.
Por outro lado, em uma colisão onde o condutor cruzou uma rua preferencial bem sinalizada atingindo outro veículo, há grandes chances dele ter cometido esse ato por imprudência e, portanto, com culpa.
Logo, com base nos fatos apresentados e de forma lógica, podemos deduzir que houve culpa do colaborador.
Sendo assim, seria muito complicado para que o empregado revertesse um possível desconto em folha de pagamento de danos e avarias.
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Por fim, é muito importante a empresa sempre tomar o cuidado de manter um arquivo organizado com o máximo de elementos que possam ajudá-la a constituir a prova em juízo, como:
- Laudos;
- Fotos do acidente e das avarias;
- Boletim de ocorrência;
- Declarações de testemunhas;
- Comprovação de que o condutor estava com o veículo no momento do sinistro;
- Orçamentos do conserto dos danos;
- Nota fiscal da realização dos serviços e peças;
- Declaração assinada pelo condutor assumindo a responsabilidade do acidente.
Tudo isso é válido e, na maioria das vezes, pode significar a diferença entre ganhar ou perder uma ação judicial.
Exemplo de julgamento na justiça do trabalho
É interessante analisarmos exemplos de julgamentos reais para entendermos na prática os motivos que levam tanto à vitória como à derrota, possibilitando que os gestores evitem erros comuns.
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No caso abaixo, julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, a justiça condenou a empresa a devolver os valores descontados do empregado. Vamos analisar a decisão:
Embora o contrato de trabalho assinado pelo autor autorize o empregador a descontar de seus salários os prejuízos que porventura vier a ocasionar em razão de suas funções, não se colhe dos autos, como condição para o desconto, a existência de dolo ou culpa do autor pelos eventuais prejuízos sofridos. […] a ré sequer logrou demonstrar que tenha havido avarias no veículo conduzido pelo autor, tampouco que estas tenham sido causadas por ele, ainda que a título de culpa. Portanto, inexiste amparo que autorize a realização dos descontos, ensejando sua restituição.
PROCESSO nº 1000345-91.2014.5.02.0384
Importante notar que nesse caso a empresa possuía um contrato de trabalho que autorizava previamente o desconto de prejuízos causados.
Porém, acabou se descuidando em constituir a prova de que o empregado agiu com intenção, ou com culpa, e, por esse motivo, foi condenado a devolver os descontos realizados.
A situação difere nessa outra decisão. Detalhe: proferida pelo mesmo Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. Vejamos:
[…] o demandante não só confirma o seu envolvimento no infortúnio, como também admite ter batido o ônibus na traseira de outro veículo que se encontrava parado. […] Logo, constatada a avaria, a culpa do demandante (condutor do veículo), por imperícia, é presumida, pois foi ele quem colidiu com outro veículo que estava parado. O artigo 462, § 1º, da CLT autoriza o desconto salarial “em caso de dano causado pelo empregado […], desde que esta possibilidade tenha sido acordada […]”, sendo justamente esta a hipótese dos autos. Assim, dou provimento ao recurso para excluir da condenação a devolução dos valores descontados do salário em decorrência de acidente de trânsito.
PROCESSO TRT/SP Nº 1001248-60.2013.5.02.0385 – 9ª TURMA
Note que, nessa decisão, a empresa e colaborador haviam previamente assinado um contrato que autorizava o desconto de prejuízos.
Sendo assim, a culpa foi constatada pela própria situação de fato, tendo em vista que o condutor colidiu com um veículo parado.
Dessa forma, com a presença dos requisitos exigidos pela lei para que o desconto fosse considerado legal (autorização contratual e culpa), a Justiça do Trabalho autorizou que os valores não fossem devolvidos para o funcionário.
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Qual o valor máximo que pode ser descontado na folha de pagamento?
Por outro lado, como a Lei não trata especificamente dessa questão, ainda existem decisões divergentes na Justiça do Trabalho sobre o valor máximo mensal a ser descontado na folha de pagamento.
Logo, um dos parâmetros utilizados encontra-se no inciso II do parágrafo 2º do art. 2º da Lei 10.820/2003 que estabelece um percentual máximo de 40% para o total dos descontos autorizados pelo empregado (aqueles não decorrentes de lei).
Assim, a soma dos descontos autorizados (adiantamentos, empréstimos, convênios, etc.) não pode ser superior a 40% da sua remuneração total.
Essa lei foi originalmente criada para regular os empréstimos consignados aos empregados, mas é utilizada por analogia.
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Entretanto, outro parâmetro usado em algumas decisões da Justiça do Trabalho tem base no parágrafo único do art. 82 da CLT que autoriza o desconto de valores em folha de pagamento, de tal forma que, ao final do mês, o colaborador ainda receba o equivalente a 30% do total de sua remuneração.
Então, por esse critério a empresa deveria ajustar o desconto permitindo que o valor líquido recebido pelo empregado seja, no mínimo, 30% dos seus haveres mensais.
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Diante dessa incerteza, a sugestão mais segura seria calcular o desconto através das duas fórmulas acima descritas, escolhendo aquela que for mais benéfica para o empregado.
Como a empresa pode reduzir o nível de tensão com o empregado nesse tipo de incidente?
Agora que você já conhece as principais regras referentes ao desconto em folha de pagamento em danos e avarias, existe uma dica fundamental para que a relação com o empregado não mude.
Deixe as normas de trabalho e contratuais bem esclarecidas, para que, assim, você e seus colaboradores evitem problemas.
Afinal, muitas vezes, as regras ficam subentendidas e, nesse cenário, quando ocorre um incidente, abre-se margem para todo tipo de contestações e acusações recíprocas.
Porém, se o papel e as responsabilidades de cada envolvido na operação forem bem conhecidos e respeitados por todos, o desconto em folha de pagamento, além de, certamente, passar a ter uma frequência menor, será aceito com mais tranquilidade.
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Logo, se tratando da operação da frota, um maior cuidado com o patrimônio quase sempre alcança outro objetivo muito maior e mais nobre, que é a atenção que o condutor tem com a própria segurança.
Em um cenário onde os acidentes muitas vezes podem ser fatais, todos os cuidados são sempre muito bem-vindos.
O objetivo do gestor de frotas deve ser sempre índice zero de acidentes e, para isso, faz-se necessário um trabalho constante que busque sobretudo a conscientização para uma direção segura.
Fazendo isso, certamente ganha a empresa, ganha o colaborador, ganha a vida.
A melhor forma de acompanhar o comportamento dos condutores, ter relatórios completos e intuitivos que auxiliem na tomada de decisão, é ter o sistema de gestão de frota leve Golfleet.
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